domingo, 26 de abril de 2020

- aluguel cinco -


Sete quarteirões de distância dali uma jovem caminhava a passos rápidos
Maquiagem borrada provocada por um choro
Vestido vermelho levemente rasgado na altura do quadril
Sapato de salto em sua mão
Apenas um pé do par
Pés descalços
A vida não tem sido fácil e a escolha de uma vida "mais fácil" nem sempre traz o que se espera
Ao chegar no cubículo em que morava a surpresa
- Porra! Esqueci minha bolsa!
Acho que a decisão de não voltar foi a melhor escolha

Rafael Almeida continuava com sua cara afundada no tapete
Ainda cochilaria por mais alguns minutos
Quando acordasse, notaria que o melhor era continuar dormindo
Puxei uma poltrona e a acomodei a sua frente
Fui até seu "bar"
Peguei minha bebida favorita
Calibrei meu copo, duas goladas
Deixei o copo na mesinha de centro ao meu lado, puxei uma corda do meu bolso e comecei os preparativos
Uma corda firme, inteira preta
Muitas vezes o luto começa antes da morte
Muitas vezes já estamos de luto e apenas aguardamos o corpo deixar de existir
Quando a vida deixar de fazer sentido, muitas vezes o luto já vive em você
Passei a corda em torno do pescoço
Três voltas
Continuei descendo, passei pelo tórax, contraindo o mais forte que pude
Os primeiros estalos me excitavam
Puxei os braços para trás
Palmas das mãos juntas atrás das costas
Mais três voltas em torno do pulso
Para facilitar, deitei minha encomenda de barriga para baixo, pisei no centro de suas costas e puxei tudo que pude
Certamente a ideia era arrancar seus braços neste movimento
Estavam bem firmes
Trouxe suas pernas para o mesmo ângulo
Inclinei o máximo que pude para trás
Repeti o mesmo processo
Pés no meio das costas
Puxe
Puxe
Puxe
Quase a união perfeita
Braços e Pernas unidos atrás das costas
A Vingança estaria sendo realizada
O "V" montado com o próprio corpo
Finalizei minha amarração com o belo nó
Fui até sua geladeira, busquei um pouco de água gelada
Meio copo apenas, era o suficiente
Joguei em seu rosto
Em um susto Rafael Almeida abriu seus olhos
Tentou gritar
Sem sucesso
Notou que sua boca estava obstruída
Tentou cuspir... era tarde!
Seu corpo neste momento não aceitaria qualquer pedido seu
Era tarde
Seu corpo não te pertencia mais
Seus olhos me localizaram
Era nítido que nunca tinha me visto
E sempre dou essa oportunidade para minhas encomendas
Olharem em meus olhos
Me desejarem todo o mal
Isso alimentava minha alma
Tornava meu espírito ainda mais forte
Com Rafael Almeida não foi diferente
Senti medo em seu olhar
Senti ódio
Senti dor
Tudo isso era necessário neste momento
Quando olhei para meu celular, passava de quatro e doze da manhã
Certamente está não era a madrugada planejada por ele
Puxei uma foto do bolso e apresentei para Rafael
Seus olhos quase pularam de seu rosto
Certamente ele acabara de descobri o porquê disso tudo
Na foto um rosto juvenil
Um rosto que já foi manchete de jornal
"Prostituta de 16 anos é brutalmente assassinada"
Pela sua reação
Pelo seu olhar de culpa
Certamente tudo que vir a seguir, tem seu motivo!
Acendi meu cigarro
Preenchi novamente meu copo
Deixei o tempo passar
Tragos e goles
Minha vida se resumia a isso
Olhei para o lado, Rafael ainda me olhava
Imóvel
Sorri ao cruzar meu olhar com o seu
Continuei meu ritual
"BIP"
Está na conta
A penúltima etapa do serviço de hoje acabava de ser concluída
Olhei o celular
E estava lá
Mais uma garrafa garantida pelos próximos dias
Terminei o cigarro
Guardei seus vestígios
Terminei o Whisky
Como tradição, em um único golpe cacos ao chão
Aprendi com a vida de que algumas lembranças precisam simplesmente serem quebradas
Caminhei em direção à Rafael Almeida
Fiquei poucos centímetros de sua cabeça
O posicionei
o "V" era perfeito
Puxei minha companheira
Os olhos de Rafael brilharam ao olhar para ela
Lúcios que eu a chamava
Agora é com você minha querida
Disparos secos
Sem barulho
Poucos segundos depois o tapete já não era tão limpo como antes
Estava feito
Era tudo muito simples
Sem possibilidade de perdão
Ou arrependimentos
Guardei Lúcios
Não tínhamos mais nada para fazer naquele local
Caminhando para a porta que entrei, passei pelo sapato
Pensei em deixá-lo
Resolvi recolher
Não gostaria que a culpa caísse em quem não teve
Poucos metros do sapato, escondido entre o sofá e a parede uma bolsa
Guardei tudo em minha jaqueta e parti
Nunca olho para trás
O que foi... foi!
É tarde agora
A vida é assim... Quase sempre já é tarde!

DeLaRoja
26/04/2020

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