domingo, 26 de abril de 2020

- rio -


"você não morre quando cai em um rio, isso ocorre quando fica submerso nele"

A queda não foi como o planejado
Acho que ninguém planeja uma queda
Cai e com ela vieram as dores
Afundei
Bati braços e pernas
Não conseguia subir
A impressão que tinha era que quando mais me mexia, mais afundava
Tudo que eu tentava era em vão
Olhei ao meu redor
Minha visão pouco via
Meus pulmões rapidamente seriam tomados
Logo eu não precisaria mais me mexer
Parei! Simplesmente parei
Tudo está calmo agora
Ainda dói
Dói bastante
Vai continuar doendo
Até eu me acostumar com isso
Hoje sinto que não devo ficar submerso neste rio
A queda realmente pode quase te matar, mas ainda tem coisa pior por vir
Aprendi a boiar
Hoje faço parte dele
Me tornei o rio
Um dia vamos desaguar em algum mar

Diogo Guedes
26/04/2020

- aluguel cinco -


Sete quarteirões de distância dali uma jovem caminhava a passos rápidos
Maquiagem borrada provocada por um choro
Vestido vermelho levemente rasgado na altura do quadril
Sapato de salto em sua mão
Apenas um pé do par
Pés descalços
A vida não tem sido fácil e a escolha de uma vida "mais fácil" nem sempre traz o que se espera
Ao chegar no cubículo em que morava a surpresa
- Porra! Esqueci minha bolsa!
Acho que a decisão de não voltar foi a melhor escolha

Rafael Almeida continuava com sua cara afundada no tapete
Ainda cochilaria por mais alguns minutos
Quando acordasse, notaria que o melhor era continuar dormindo
Puxei uma poltrona e a acomodei a sua frente
Fui até seu "bar"
Peguei minha bebida favorita
Calibrei meu copo, duas goladas
Deixei o copo na mesinha de centro ao meu lado, puxei uma corda do meu bolso e comecei os preparativos
Uma corda firme, inteira preta
Muitas vezes o luto começa antes da morte
Muitas vezes já estamos de luto e apenas aguardamos o corpo deixar de existir
Quando a vida deixar de fazer sentido, muitas vezes o luto já vive em você
Passei a corda em torno do pescoço
Três voltas
Continuei descendo, passei pelo tórax, contraindo o mais forte que pude
Os primeiros estalos me excitavam
Puxei os braços para trás
Palmas das mãos juntas atrás das costas
Mais três voltas em torno do pulso
Para facilitar, deitei minha encomenda de barriga para baixo, pisei no centro de suas costas e puxei tudo que pude
Certamente a ideia era arrancar seus braços neste movimento
Estavam bem firmes
Trouxe suas pernas para o mesmo ângulo
Inclinei o máximo que pude para trás
Repeti o mesmo processo
Pés no meio das costas
Puxe
Puxe
Puxe
Quase a união perfeita
Braços e Pernas unidos atrás das costas
A Vingança estaria sendo realizada
O "V" montado com o próprio corpo
Finalizei minha amarração com o belo nó
Fui até sua geladeira, busquei um pouco de água gelada
Meio copo apenas, era o suficiente
Joguei em seu rosto
Em um susto Rafael Almeida abriu seus olhos
Tentou gritar
Sem sucesso
Notou que sua boca estava obstruída
Tentou cuspir... era tarde!
Seu corpo neste momento não aceitaria qualquer pedido seu
Era tarde
Seu corpo não te pertencia mais
Seus olhos me localizaram
Era nítido que nunca tinha me visto
E sempre dou essa oportunidade para minhas encomendas
Olharem em meus olhos
Me desejarem todo o mal
Isso alimentava minha alma
Tornava meu espírito ainda mais forte
Com Rafael Almeida não foi diferente
Senti medo em seu olhar
Senti ódio
Senti dor
Tudo isso era necessário neste momento
Quando olhei para meu celular, passava de quatro e doze da manhã
Certamente está não era a madrugada planejada por ele
Puxei uma foto do bolso e apresentei para Rafael
Seus olhos quase pularam de seu rosto
Certamente ele acabara de descobri o porquê disso tudo
Na foto um rosto juvenil
Um rosto que já foi manchete de jornal
"Prostituta de 16 anos é brutalmente assassinada"
Pela sua reação
Pelo seu olhar de culpa
Certamente tudo que vir a seguir, tem seu motivo!
Acendi meu cigarro
Preenchi novamente meu copo
Deixei o tempo passar
Tragos e goles
Minha vida se resumia a isso
Olhei para o lado, Rafael ainda me olhava
Imóvel
Sorri ao cruzar meu olhar com o seu
Continuei meu ritual
"BIP"
Está na conta
A penúltima etapa do serviço de hoje acabava de ser concluída
Olhei o celular
E estava lá
Mais uma garrafa garantida pelos próximos dias
Terminei o cigarro
Guardei seus vestígios
Terminei o Whisky
Como tradição, em um único golpe cacos ao chão
Aprendi com a vida de que algumas lembranças precisam simplesmente serem quebradas
Caminhei em direção à Rafael Almeida
Fiquei poucos centímetros de sua cabeça
O posicionei
o "V" era perfeito
Puxei minha companheira
Os olhos de Rafael brilharam ao olhar para ela
Lúcios que eu a chamava
Agora é com você minha querida
Disparos secos
Sem barulho
Poucos segundos depois o tapete já não era tão limpo como antes
Estava feito
Era tudo muito simples
Sem possibilidade de perdão
Ou arrependimentos
Guardei Lúcios
Não tínhamos mais nada para fazer naquele local
Caminhando para a porta que entrei, passei pelo sapato
Pensei em deixá-lo
Resolvi recolher
Não gostaria que a culpa caísse em quem não teve
Poucos metros do sapato, escondido entre o sofá e a parede uma bolsa
Guardei tudo em minha jaqueta e parti
Nunca olho para trás
O que foi... foi!
É tarde agora
A vida é assim... Quase sempre já é tarde!

DeLaRoja
26/04/2020

terça-feira, 21 de abril de 2020

- aluguel quatro -


Meus passos na rua são silenciosos
São passadas fantasmagóricas
Mesmo em meio a uma multidão, não me notariam
Aprendi a usar isso como uma prática infalível
Não ser notado no meio de todos
A noite fria excitava meu corpo
Provocava-me arrepios
Pouco tempo após sair, estava em frente ao meu destino daquela noite
Um prédio com sete andares
Localizado em uma rua calma
Olhei para meu celular
Poucas horas da madrugada
Olhei para cima
Meu objetivo encontra-se com a janela aberta, luz acessa
Terceiro andar
Talvez embriagando-se com alguma prostituta juvenil
Rafael Almeida possuía um ótimo olfato para esse tipo de serviços
Empresário, falastrão, machista e homofóbico
Mais um ótimo caso para a divisão de homicídios arquivar pela manhã
Enfiei a mão no bolso esquerdo da minha jaqueta
Puxei meu Dunhill Carlton Blend, como sempre filtro branco
Acendi
Três longas tragadas antes de atravessar a rua
Fechei meus olhos por alguns segundos
Uma nova tragada
E outra... outra
Terminei... Guardei a única prova de que estive ali
Atravessei a rua
Normalmente as saídas de serviços são uma ótima entrada
Pouco gasto com manutenção
Ferros enferrujados
Não preciso de grande força para adentrar o imóvel
Meu objetivo estava a poucos metros acima de minha cabeça
O objetivo sempre o mesmo
Joga-lo muitos metros abaixo de mim
Normalmente em prédios antigos, as câmeras de segurança não possuem captura 360 graus
Andar rente as paredes é um trabalho simples e prático
Subo os degraus
Primeiro lance
Segundo lance
Terceiro lance
- Olá! Estamos tão próximos
Falo em minha mente para mim
Quase salivando
A medida em que vou me aproximando minha adrenalina vai aumentando
Minha excitação subindo
Eu devoraria um corpo neste momento
Com ossos, carne e roupa
Terceiro andar
Porta trinta e sete
Sem grande trabalho, em poucos segundos adentrei sua moradia
O único barulho era de música
Um vinil tocava
Algumas garrafas de vinho
Cocaína
Charuto
Sapato feminino
Alguém certamente não fez um bom serviço, ou não concordou com as condições do chefe
Barulho no banheiro
Caminhei até a cozinha
Voltei para a sala
Gosto quando o anfitrião já me espera... Um banho, talvez?
Caminho até a varanda
Mantenho minha silhueta atrás da cortina
Quando sou notado, já é tarde demais
Um único golpe em sua face
Sem deixar qualquer hematoma
Nunca existirá luta corporal
Minha encomenda inclina-se para mim
Afunda sua face no quente tapete no meio da sala
Olho para seu celular
Duas e treze de uma madrugada excitante
Passarei algumas horas aqui!

DeLaRoja
21/04/2020


- dez minutos e vinte e dois segundos -


Em alguns textos gosto de me limitar ao tempo de uma música
É uma forma de não perder a linha
Normalmente não gosto de sentar em frente a algum aparelho e/ou papel para escrever
Eles simplesmente vem
Completo em minha mente
Quando entro nesta transe de escrever e perco essa "linha", nunca mais a recupero
Já foram alguns textos perdidos assim
Eles simplesmente não voltam mais
Sinto como se tivesse desapontado
Imagino ele chegando sorridente
Procurando a saída do labirinto que é minha mente
Não encontrando
Voltando pela mesma porta que entrou
Deve ser frustrante ser um texto que não virou texto
Que não pode ser lido
Que nãos e encaixou na vida de alguém, mesmo que não tenha sido direcionado a ninguém
Perdoe-me a todos que passaram por isso
Eu simplesmente não aproveitei nossa transe da forma correta
Em minha vida sou Expert nisso
Alguns momentos simplesmente passam
Deixo escapar em meus dedos
Crio personagens para me manter aqui
As vezes acho que eles realmente possuem vida própria
As vezes acho que eles me controlam
As vezes realmente sinto que não estou na luz
Que algumas coisas acontecem sem que eu perceba
Quando volto a mim... Já passou
É quase um teto preto de Whisky
- O que houve aqui?
Eu os criei
Eu os alimento de mim
São minhas partes
Não sei até que ponto somos reais
Eu, Chico, Florice, Poros, Ezequiel, DeLaRoja
Talvez sejamos tão reais que deixamos de existir neste plano
A ideia sempre foi deixar vocês livres para viverem
Assim como eu também vivo
Se eu criei, um dia eu destruo!
Amo vocês
Novamente pontual com a música que tocava!

Diogo Guedes
21/04/2020

domingo, 19 de abril de 2020

- DeLaRoja -


São quatro minutos e trinta e dois segundos até o término da música que toca
Sou a melhor parte dele
Juntando com seu maior demônio
Ocupo-me de sua mente
Manipulo seu dedos para que escrevam tudo que seu coração grita
Todos os socos que você tende a dar no vento, estão sendo direcionados aqui
Sou sua melhor forma
Você na luz
Você com coragem
Você melhor!
Juntei-me com seu demônio
Estou com Poros
Estamos juntos neste momento
Sua inspiração está perdida ai dentro
Escavarei cada entranha
Destruirei tudo que estiver em minha frente
Não me importo com você
Quero apenas expor tudo isso aqui
Poros vai me ajudar
Hoje
Amanhã
Vamos lá
Renasça novamente
Temos a noite toda pela frente
Sou o DeLaRoja
Não me importo com você
Apenas com o seus sentimentos em forma de palavras
Quatro minutos e trinta e dois segundos
A música está terminando
Vamos lá
Mais um gole
Seu corpo é resistente
Poros, me acompanha nesta melodia?

DeLaRoja
19/04/2020

- somos tão covardes -


"Tenho morrido muitas vezes
Detestável seria ter a covardia
Do que me mataram
Eu sigo renascendo
Eles seguem covardes"

Acabo de morrer mais uma vez ao escrever
Preciso renascer para continuar aqui
Renascer não é difícil
É sempre uma chance de ser novo
De fazer diferente
Errando, mereço a morte que me aguarda
Continuando errando, mereço continuar morrendo
Eu sigo renascendo
Eles seguem covardes
Puxo o gatilho novamente
Trocarei o lado da bala da próxima vez

DeLaRoja
19/04/2020

- aluguel três -


Neste momento estou sentado em minha poltrona
Em meu quarto
Em frente a uma parede branca
Passo horas olhando para ela aguardando o próximo sinal
Ainda em minha frente levemente para meu lado direto, algumas cervejas já sem vida
Meu costumeiro Whisky
Um copo sem vergonha furtado em alguma casa que jamais retornarei
Em minha mão esquerda meu cigarro
Algumas passadas de mão em meus cabelos com a mesma mão do cigarro
Pouco a frente levemente a esquerda o cinzeiro
Cada toque são cinzas que caem
Cada cinza um pouco do tempo que vai
Com o tempo, uma pouco de vida que vai
Com a vida, um pouco de dor que elimino
Costumo pensar que a vida é resumida a tragos
Diluída na fumaça
Perdendo-se no ar
Minha mente está limpa
Sem qualquer tipo de pensamento
Não costumo liberar espaço para todo tipo de pensamento
Eles tendem a vir acompanhados de sentimentos e neste momento isso não pode existir
Mais um gole
A sensação do gole é única
Percorrendo meu corpo
Um misto de ódio líquido
Sinto seu líquido finalizando o caminho do meu corpo, chegando em minha mente
Um excelente start
O tic do gatilho
Uma longa tragada
Fumaça
Fumaça
23h09
Meu celular recebe seu sinal
Um bip
Olho a tela
Ela é a única luz neste momento
Uma luz que chegou com a missão de acabar com mais uma luz
As coordenadas são muito simples
"Faça o que tem de melhor em sua vida"
Pego meu Whisky
Finalizo em um último gole
Queima minha pele!
Já estamos prontos
Meu espelho olha para mim
Julgando-me
Perdoe-me
Não existe sentimentos aqui
Não temos espaço para isso
É só mais uma luz que devemos apagar
Novamente me transformo em fumaça
A noite lá fora está fria e silenciosa
O melhor cenário possível
A dor que virá a seguir é necessária!

DeLaRoja
19/04/2020

segunda-feira, 6 de abril de 2020

- aluguel dois -


Sete e trinta e quatro da manhã
As primeiras sirenes ecoavam pela vizinhança
Duas viaturas foram atender o chamado do caseiro
Um corpo amarrado
Pernas e mãos para trás
Unidos por uma corda preta
Claramente tingida
O formato do corpo, um "V"
A forma em que fora amarrado era brutal
Alguns ossos certamente não aguentaram tanta pressão
Três perfurações
Uma do lado superior esquerdo da testa
Outra do lado superior direito da testa
Uma central, pouco abaixo do meio das sobrancelhas
Não houve a menor chance para reação
Não houve luta corporal
Não havia escoriações
Apenas três perfurações e alguns ossos quebrados pela amarração
Alguns cacos
Impossíveis de mostrar alguma digital
Muitos já estavam imersos no sangue que preenchia boa parte do local
O local do crime, uma varanda
Pouco espaço quadrado
Uma linda visão
Talvez apenas está visão poderia relatar o ocorrido
Vizinhos
Câmeras
Nada
Era como se um fantasma tivesse andado em meio a fumaça
A vítima
Manoel Ricardo
Um homem solitário
Morava sozinho
Sua esposa já o havia largado a anos
Seu único filho, morrera em um acidente automobilístico
Muito álcool na cabeça e um punho enfincado no crânio da outra vítima, sua namorada
Talvez tenha perdido o controle do carro ao desferir o golpe contra sua namorada
Manoel, jamais perdoou Elisa, a namorada de seu filho, o jovem Pedro Ricardo
Sua vida foi devastada depois da morte de seu jovem menino problemático
Pedro Ricardo era conhecido por problemas com álcool e brigas nas noites
Para muitos apenas menos um infrator no mundo
Para Manoel, a perda do seu mundo
Quando o agente da divisão de homicídios fechou o zíper da capa que cobria Manoel, já passava das dez e vinte e quadro da manhã
Talvez este fosse apenas mais um caso que devesse ser arquivado e deixado de lado
Talvez fosse...
Se algumas coincidências não começassem a ocorrer

DeLaRoja
06/04/2020

- na luz -


Hora de pegar todos os cacos do copo que deixou cair
Coloque tudo em uma embalagem evitando acidentes
Já tivemos muitos machucados
Guarde na gaveta
Deite a cabeça em seu travesseiro
Feche os olhos
Amanhã é um novo dia

Florice Bonita
06/04/2020